É, eu podia estar desabafando isso numa sessão de terapia, mas enquanto a Manoela dorme lindamente, eu estou aqui escrevendo pois me faz e sempre me fez um bem tremendo.
Voltando ao assunto, eu me acho prova disso. Quando cheguei na idade em que a sociedade espera que você se torne mulher, ou seja, chegue às vias de fato, na minha fantasia, eu teria uma primeira relação digna de cinema, com todo o carinho, atenção e respeito com o cara que provavelmente eu viveria o resto da minha vida.
É. Hoje olho pra trás e vejo como minha vida tomou rumos completamente inesperados em relação às minhas inocentes expectativas.
A perda da minha virgindade foi praticamente um estupro (falo "praticamente" pra que dentro da minha cabeça eu tente amenizar esse trauma). Forçado, sem clima, ser o menor respeito e com um cara nada a ver que se eu encontrar na rua hoje, passo batido porque o trauma foi tão grande que meu cérebro simplesmente apagou os traços do cara do meu HD. Não é que eu não lembre de quem é não, tá, sei o nome, quem é o pai dele e tudo, não foi o primeiro que apareceu na frente na balada. Mas é alguém sem a menor importância na minha vida.
Beleza, primeira expectativa infantil destruída com sucesso. Mas vamos lá porque a vida ainda tem muito pra me oferecer, né? Eu achava.
Reencontrei um moço que saía com o mesmo grupo que eu na época do colégio, ele confessou que desde então era gamadão em mim, num primeiro momento o achei um grude de chato e não quis nada com ele. Aí a vida tratou de me dar uns tapas, ele reapareceu e a química magicamente rolou. Eu já tinha programado tudo: teríamos dois filhos, o João e a Alice, nos casariamos com 24 e teríamos o primeiro filho com 26-27, porque minha mãe me teve com 29 e a vida inteira falei que ela me teve "velha". Namoramos 4 lindos e felizes anos e olha, essa parte até vai parecer dos contos da Disney mesmo. Até que um certo dia, a bruxa da mãe dele, de uma hora pra outra virou a casaca e o colocou contra mim. Começamos a namorar com 18 anos, então eu havia sido a unica mulher com quem ele esteve na vida até então. A mãe dele achou que ele devia conhecer o mundo e se aventurar ao invés de casar com a mocinha (machista ela, será?), meu tapete foi puxado, e de novo, lá se foi meu sonho de casar na igreja, de véu e grinalda, e de ter um casal de filhos com meu primeiro amor. Segunda expectativa da infância destruída.
Ainda restava um sonho: o de ser mãe. Um tempo depois conheci outro cara, temos vivido um relacionamento pesado, sabe quando parece que você viveu 60 anos em 6? Pois é. Muito esforço de um lado, pouco esforço do outro, aquela balança fora de equilíbrio onde apenas um lado fica tentando ver o que pode mudar pra tentar alcançar o equilíbrio novamente. Alguém já conseguiu equilibrar uma balança dessa maneira? É, eu, a louca desesperada pra viver uma história de amor com filhos e tudo mais tenho tentado fazer isso ao longo de 6 anos. Mas acho que cheguei no meu limite emocional.
Então cá estou eu, com meu terceiro sonho despedaçado, impedida por mim mesma de viver com minha filha e o pai dela pra sempre porque isso é praticamente impossível. Deus sabe como eu tentei. Ele é um bom homem, de coração imenso, não mede esforços pra fazer as minhas vontades e eu ainda o amo, mas há algo que tem nos afastado: o álcool. Expliquei diversas e diversas vezes, instiguei-o pra que praticasse o autoquestionamenro, convidei-o a fazer terapia para superar seus traumas, perdoar seus ancestrais que tanto mal lhe fizeram, mas não está dando. Ele é uma pessoa doente e eu demorei tempo demais pra perceber, e quando percebi, demorei tempo demais pra aceitar. Isso faz parte do processo. O problema é que ele também se recusa a aceitar e procurar tratamento adequado. O nome "alcoolismo" lhe soa pejorativo, como se a doença fosse sinônimo de um furinho no seu escudo de proteção. E aí, qual o resultado disso? Quem tá adoecendo SOU EU. COMO eu vou adoecer e criar uma criança, dar educação, princípios de moral e ética, ensinar o que é bom e ruim, o certo e o errado, se eu não estiver BEM?
Há alguns meses venho me testando e tentando provar pra mim mesma que eu e a Manoela vamos ficar melhor sozinhas, pois agora temos uma a outra. A verdade é eu tenho fé que se o cara lá de cima tem algum plano de resgate pra mim, ele começou a partir do momento que esse ser de luz foi plantado dentro do meu útero. Hoje eu não vivo só por mim, eu vivo por ela, eu trabalho por ela, eu quero ser melhor por ela, eu quero fazer o bem por ela, porque ela é o meu maior legado! É como se a minha chave, de repente, tivesse virado: se algum dia eu aceitei ser mal tratada, humilhada, desprezada e diminuída por uma pessoa tão miserável a ponto de ter desistido de si próprio, hoje eu não posso mais aceitar, porque a criança, primordialmente, aprende pelo exemplo. Se eu aceitar ser mal tratada, que exemplo estarei dando pra ela? Como vou dizer a ela daqui a alguns anos que ela não pode aceitar menos do que merece, se ela não entender que merece O MELHOR, se ela não viu a mãe recebendo O MELHOR? COMO, MEU DEUS?
Aí eu me pergunto: onde foi que EU me abandonei? Onde foi que desisti de mim mesma? Porque eu reconheço, eu encho a boca pra falar que meu futuro ex companheiro desistiu de si mesmo quando sucumbiu ao vício do álcool, mas e eu? Quando foi que eu desisti de mim mesma? Porque eu aceitei menos do que eu mereço? E francamente, eu não sei responder a essa pergunta. É como se, em algum momento, eu simplesmente tivesse largado o controle da minha vida no piloto automático e só assistisse da plateia o caos se instaurando. Não me sinto eu. Isso é louco demais.
E dói, dói na alma reconhecer e admitir tudo isso, porque é lutar contra eu mesma. Contra o meu eu que não quer sair da zona de conforto porque tem medo do que vai encontrar quando abrir a porta. Ou do que vai deixar quando fechar. Pela terceira vez, todas as expectativas, sonhos, planos pro futuro, ter mais filhos, uma casa maior, com cachorros, um carro mais novo, com o cara que um dia era meu sonho, e hoje parece que se tornou meu pesadelo. Dói nos ossos, dói em cada célula, cada vez que eu penso, e exponencialmente mais quando verbalizo em voz alta, não tem como segurar as lágrimas. Mas hoje assisti um vídeo que me tocou profundamente, era com um poema, que repetia como um mantra "vai, e abre a porta", independente do que fosse pra ser encontrado lá fora. E nada mais é do que isso.
Eu aceito a minha dor, e vou deixar doer pelo tempo que for. Eu aceito e permito cada lágrima, e que com ela aos poucos eu me liberte dessa prisão sem grades que eu construí pra mim mesma. Mas sei que, na verdade, hoje não sou mais eu que choro: quem chora é a minha criança interior frustrada porque teve seus sonhos, expectativas e projetos de vida roubados, porque alguém tomou seus rascunhos e resolveu por conta própria escrever outro roteiro pra história dela. Então agora ela simplesmente está fazendo birra, batendo os pés no chão, atirando longe seus brinquedos porque está tendo dificuldades em aceitar que, pela terceira vez, a vida não tomou os rumos que lá na sua juventude foram carinhosamente planejados.
Ah, mas vão dizer "a vida é assim mesmo, o autor dessa história não somos nós, é Deus", concordo em partes. Sei que antes de virmos a esse mundo assinamos uma espécie de contrato, onde NÓS escolhemos, por diversas razões, o que enfrentaremos nesse plano. Somos agraciados com o véu do esquecimento, e começamos uma história do zero. Pode ser que em uma outra vida, eu tenha tido a chance de viver minha história do jeito que eu queria, e não soube aproveitar, então essa chance hoje está me sendo vetada. Então eu aceito, eu agradeço, eu perdoo a mim e aos demais e acolho minha criança interior, pra que ela também possa aceitar.
Pois não é porque as coisas não são do jeito que esperamos que são em tudo ruins. Eu tenho uma filha linda! Uma boneca, um ser de luz, um anjinho, que é puro amor em tudo o que faz. Eu tenho um bom trabalho, que muitas pessoas gostariam de ter, onde posso estar 24h por dia ao lado da minha filha, vendo evoluir em cada etapa, cada riso, cada novo dente que nasce. Tenho pais que me amam infinitamente e que movem céus e terras pra me ver bem (e me fazem até "lanchinho" pro "recreio" das aulas do mestrado, como faziam na época da escola). Tenho uma cama quentinha, roupas, cobertas, duas gatas que eu amo de paixão, um bom carro. Eu tenho tanto! E com lágrimas nos olhos que eu me pergunto: será mesmo que minha vida deu tão errado como eu pensava? Ou ela só não se desenrolou como eu esperava e frustrou minhas expectativas? O que é dar certo e o que é dar errado?
Muitas páginas da minha vida já foram escritas... Mas tenho mais um livro todinho pela frente para rabiscar da maneira que eu quiser. Hoje vou dormir sozinha (com minha filha) novamente e triste por não ter o que eu queria, mas com o coração grato a Deus por ter o que eu preciso. É, isso me basta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário